segunda-feira, 25 de agosto de 2008

INSANO ENSAIO SOBRE VARIAÇÕES DE UM MESMO TEMA


(Imagem: THE BRIDE - Marc Chagall)

TUDO COMEÇOU COM O CARLOS:

POEMA DE SETE FACES

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas
Para que tanta perna, meu Deus,
{pergunta meu coração.
Porém meus olhos
Não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, porque me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
Se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução;
mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é o meu coração.

Eu não devia te dizer,
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
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E outros poetas também tentaram:

LET'S PLAY THAT
(TORQUATO NETO )

Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that
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ORIDES FONTELLA, ácida como um limão, poeta demais, fala:

CDA (imitado)

Ó vida, triste vida!
Se eu me chamasse Aparecida
dava na mesma.
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Adelinha não deixou por menos:

COM LICENÇA POÉTICA
(ADÉLIA PRADO)

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou:vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.
Cumpro a sina.
Inauguro linhagens,
fundo reinos- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida
é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.
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E MACUNADRU OUSOU:

POEMA DE SETE FACES, SETE OLHOS E SETE BUNDAS
(Imitando CDA e Orides Fontella – Variações sobre a mesma teima)
Nena de Castro

Quando eu nasci,
um ogro desocupado,
Tirando meleca do nariz,
Moveu a varinha de condão
e furou o olho da coruja
que tinha piscado para o dia que surgia...
E virei a Moura-Torta,
da palavra torta e poesia idem.....

ó tempora, ó mores,
ó têmpera, ó mares!
Se me chamasse Fredegunda
E fosse uma ogra gorda
com o único olho vazado
e a mão torta e vazia
(seria estátua de cera de Madame Tussaud
ou do Museu de Horrores,
ao lado do Corcunda de Notre Dame...)

"Mundo, mundo, vasto mundo,
Mais vasto é o meu coração"
Se eu fosse o Raimundo,
Não andava sem calção.
Se me chamasse Raimunda
E etc. e tal
Mostraria bem a bunda
Num grande fio dental.

Quando eu nasci,
um ogro porra-louca,
Provavelmente com a cuca cheia
de vapores etílicos de pinga ordinária,
Cuspindo de lado e coçando o saco,
sentenciou:-Vai, Nena, vai fazer merda na vida!
Sou poeta.

Ó vida, ferida doída,
Se me chamasse Aparecida,
Mesmice, bobice e tolice...
Se me chamasse Raimundo,
Só servia pra rima besta.
Se me chamasse Raimunda,
Todo mundo faria fiu-fiu....

POEMAS CHINESES





Canção do trigo à maneira de Han

O trigo está verde:
Preciso é que amadureça.

E quem serão os ceifeiros?
- As mães os seus meninos...

(Os homens estão para o sul
A combater os bárbaros).
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Por um anónimo da Dinastia T'sin(*)

Os mandarins
compram cavalos brancos.
Os grandes senhores
têm palácios de oiro.
Mas, cuidado:
Nem uma palavra, amigo.

(*)Período em que foram queimados os livros e enterrados vivos todos os poetas (N. do A.)

domingo, 24 de agosto de 2008

VENTOS QUE VÃO, VENTOS QUE VÊM...

(Mulher Com Sombrinha - Claude Monet)


(Seria uma crônica.Virou conto. Tentei resumir, continuou conto .Essa é a primeira versão, que não foi publicada. Não adianta: quem nasceu pra ser prolixa, nunca chega à concisão do Zé Mucinho!)__________________________________________________________________________________
Sofia abriu o caderno onde escrevia seus poemas. Releu o que havia escrito. Sabia o porquê dos versos tão pessimistas: era por causa de agosto. Esse mês, desde o tempo de criança, lhe causava apreensão! Suicídios, desastres, mortes... O que salvava os dias cinzentos, a seu ver, era o vento. Que ela adorava! Até que... Estremeceu ao lembrar que naquele mês aziago, tivera a maior decepção de sua vida. E vivera aquela paixão desesperada e não correspondida. Sentira ânsias de morte. E passara o odiar profundamente o mês e os ventos que o acompanham. Ventos... Daí os versos: CALENDÁRIOÉ agostoE no meu rostoSe acentua o meu desgosto.Cada qual na sua faceQue a sua sina trace,A minha já está traçada:Na engrenagem da vida,esmagada, bem moída,uivo de medo e de dor...é agosto,e o meu desgostomarca as marcasdo meu rosto.Dói bem fundo,Dor bem fina,Dor doída, minha sina.Percebo que essa dorQue me rói e estraçalhaFeito fio de navalhaNão é por causa do mêsJá nasceu aqui comigoComo gêmeo siamês.E é fato verdadeiro,Essa dor, pelo que entendo,Dói de setembro a dezembro,De janeiro a fevereiro,E no mormaço de marçoDói como nunca se viu.-A dor não some, é abril!Em maio ela continuaCrua, triste, feia e nuaJunho, julho, não sumiu!E nem, bem o frio jaz posto,Eis de novo o mês de agosto,Pobre mês, triste, alcunhado,De azar acompanhadoQue carrega, desencanto,A desculpa do meu pranto.É agosto,e o meu desgostoCarpe as mágoas em meu rostoNeste longo calendárioMinha dor, meu inventário.Fechou o caderno, cerrando os olhos. Lembrou-se dele. O sorriso infantil, a cara de menino inocente. Vira-o pela primeira vez em um museu quando mais uma vez, admirava a escultura que tanto lhe dizia. Era de um artista não muito conhecido, chamava-se “Mulher ao Vento” e mostrava uma figura feminina, de mãos estendidas, cujos cabelos estavam revoltos, suspensos pelo vento. O rosto da mulher, de olhos fechados, demonstrava êxtase... Sofia gostava de ficar admirando a estátua, imaginando-se frente ao mar, ou melhor, numa montanha da Irlanda, olhando o mar, lá em baixo, quebrando as ondas contra os penhascos... O vento lhe agitava o cabelo e as roupas, e lhe contava segredos, que só ela entendia. Ah, o cheiro da brisa que lhe chegava, de terras distantes, contando de viagens e marinheiros e mulheres apaixonadas, e por que não, sereias? Com o tempo, olhava para a estátua e via a si própria, e assim estava, quando o percebeu. Estava de pé e olhava fixamente para a mesma obra. Parecia ter cerca de 23 anos, cabelo claro, óculos ao estilo Jonh Lennon. Vestia jeans surrados, um pulôver marrom e em volta do pescoço, usava um cachecol bege, que o protegia do frio. Ele notou seu olhar e sorriu para ela, que também sorriu. Afastou-se em seguida, e ela teve a impressão de que a brisa irlandesa a envolvia. Era só ela, no promontório e o vento que lhe desfazia o cabelo. Mas a fantasia ficou diferente, o cenário de seu sonho se iluminou com a presença do homem que subia lentamente a montanha...E que tinha vindo por ela guiado pela brisa que traz perfumes e amores! A espera terminara, afinal.Ele se aproximava e ela sabia o que iria acontecer... -Com licença, pediu alguém apressado- e ela voltou à realidade, envergonhada.. Afastou-se do local, caminhando devagar, deixando que o sol de inverno aquecesse seu corpo. No outro dia, na livraria, tentava organizar uns volumes de uma coleção de pintores famosos, quando alguém entrou. Virou-se para atender e estremeceu quando o viu. Procurava um livro de Mayakowski. Adorava poesia russa e idolatrava os romances de Dostowévski, intensamente mesclados com os piores e melhores sentimentos humanos. Ela também. O papo evoluiu, ele convidou-a para um café, não era sempre que se conhecia alguém que entendia tanto de literatura, e que gostava do mesmos autores que ele venerava. Bem, disse ela, eu já estou mesmo na hora do lanche. Há uma lanchonete ao lado! Sentaram-se em uma mesinha, ele pediu um café, ela preferiu uma laranjada. Falaram sobre poetas russos, literatura russa, francesa, poetas brasileiros... Para um rapaz tão jovem, ele demonstrava muito conhecimento. Despediram-se. Ele voltou outras vezes, saiam juntos, bebiam e conversavam. Nunca trocaram um beijo, mas ele demonstrava carinho por ela. Que descobriu-se profundamente apaixonada pelo rapaz, que estudava Arquitetura, viera transferido de uma cidade interiorana, e procurava adaptar-se à vida da cidade grande. Não compartilhava o gosto pelas farras estudantis, era tímido e educado, lia muito e pretendia fazer Doutorado na Espanha. Parecia não ter preocupações financeiras, comprava muitos livros; ficaram amigos, riam, encontravam-se quase todos os dias, ele a acompanhava a concertos e exposições. Às vezes ficavam na praça, olhando as flores e ela amava ouvi-lo falar sobre o tanto que gostava do ...vento! Seu coração batia mais depressa, ao vê-lo. Começou a se perguntar onde aquilo iria parar. Já completara 38 anos, era bonita, tinha um corpo bem-feito, mas ele era tão jovem! Sua amiga Mara a alertava: - Sofia isso não vai dar em nada, saia dessa, o que você pode esperar? Mas ela continuara a vê-lo, esperando que um dia ele se declarasse e a tomasse nos braços...Até o dia em que tocou a campainha de sua casa. Não estava só. Com ele, uma jovem. - Esta é Marina, apresentou. Veio morar comigo. Estava doente e ficou na minha cidade até melhorar. Ainda não arranjamos um apartamento, ela só viria no final do mês, mas me fez uma surpresa, por já se sentir melhor. Será que ela pode ficar na sua casa, por uma semana? Sofia sentira um frio no peito! Descobrira que odiava o vento, que lhe trouxera o amor e de repente, dava-lhe uma rasteira. Mandou que entrassem . –Sim, é claro, entrem, vamos combinar tudo. Aquela tinha sido a semana mais dolorosa de sua vida. Ver o carinho dele para com a mocinha que amava, ver como ele a olhava e lhe acariciava a barriga que se desenvolvia...Ajudou no que pôde. Mudaram-se. Apreciam de vez em quando, até que a moça, que era pintora, ganhou uma bolsa de estudos em Paris. Contudo, nunca mais se permitiu voltar ao penhasco irlandês, e passou a arrenegar o vento... Mudou de hábitos, passou a ir a outra lanchonete, a outra praça, desdenhou a arte russa. Até que um dia, transcorrido algum tempo, justamente no início de agosto, tomava sol em um banco do Jardim das Dálias, no horário de almoço. Fechara os olhos evitando pensar em qualquer coisa. Coração vazio. De repente, ouviu como um farfalhar e algo lhe roçou a cabeça, tocando-lhe as mãos e os pés. Deu um grito, assustada, abriu os olhos e percebeu que fora atingida por uma pipa colorida. Que agora, estava a seus pés. Então percebeu que um homem se aproximara. Era alto, cabelos grisalhos. Quando chegou mais perto, percebeu os olhos cinzentos, o sorriso másculo, o corpo forte. E ouviu o pedido de desculpas. -Ôpa, fizemos uma manobra atrapalhada, eu passei a manivela para o Rafinha, ele recuou, caiu, e a pipa mergulhou em sua direção. Machucou alguma coisa? Olha eu sei que parece criancice, mas eu adoro pipas! Trabalho no exterior, mas quando visito a família, sempre acompanho um dos meus sobrinhos ao parque para aproveitar o vento. Eu amo o vento! E você? Vem sempre aqui?Algum tempo depois, Sofia anotou no caderno: não é que este mês não é tão azarado assim? Afinal, os ventos de agosto trazem coisas interessantes!...