terça-feira, 1 de setembro de 2009

DE GALINHAS AFANADAS E POESIA...

De certa feita, na Defensoria Pública Municipal, atendi a um senhor já idoso, muito humilde, que queria a interdição do filho que o acompanhava. O documento se fazia necessário porque o rapaz, com mais de 30 anos, era como uma criança. Embora não fosse agressivo, fugia de casa, desaparecia por longos períodos, e a família, composta pelo pai e uma irmã, passava por grandes aflições. O documento de interdição era necessário para uma série de atos da vida cível, inclusive busca de tratamento e internação. Verificadas as condições do rapaz, que quase não falava, pedi o competente laudo médico, e dei entrada no processo. No decorrer do mesmo, veio o pai aflito atrás de mim: o filho devia comparecer perante o juiz criminal, acusado por furto ocorrido em outra Comarca. Peguei a cópia do pedido de interdição e fomos para a oitiva. Meu cliente era acusado de ter forçado a porta de uma venda, e subtraído dois cigarros e meia garrafa de cachaça .Ao ler nos autos que o acusado após o "crime" se assentara na calçada da própria venda, onde a polícia o encontrou, o juiz foi tomado por compaixão. Perguntou ao rapaz porque fizera tal ato e ele respondeu que estava com vontade de fumar e de beber e como a venda estava fechada, ele "abrira". O magistrado recebeu a cópia da interdição, e teceu comentários sobre a situação do réu, dizendo que ele nada mais era que um pobre coitado, totalmente incapaz e que certamente deveria ter apanhado e sofrido maus-tratos pelo acontecido. Um mês depois, o pai me procurou em prantos, dizendo que eu parasse com o processo; em mais uma andança, o filho fora atropelado por um carro perto da ponte metálica sobre o Rio Doce e falecera. Do jeito que as coisas corriam, no processo criminal em outra cidade, era bem provável que meu cliente fosse condenado, pois neste país, todos nós sabemos como é a justiça:pobre leva tinta, enquanto tubarão nada na Cote d’Azur! Tudo isso me veio à mente ao receber de um amigo, um e-mail contendo uma sentença exarada pelo então juiz Ronaldo Tovani, que vou mostrar para vocês. A sentença foi traduzida até para o espanhol e logo entenderão a causa. O juiz já se aposentou. Deus lhe conceda longa vida! E vamos lá:

"Em 16 de novembro de 1987, o então juiz auxiliar da Comarca de Varginha (MG), Ronaldo Tovani, recebeu em seu gabinete um processo referente a delito ocorrido no termo judiciário de Carmo da Cachoeira, praticado por um rapaz apelidado de "Rolinha", acusado do furto de duas galinhas.
Para absolvê-lo, exarou a seguinte sentença, redigida em versos:
Poder JudiciárioComarca de VarginhaEstado de Minas GeraisAutos nº 3.069/87; CriminalAutora: Justiça PúblicaIndiciado: Alceu da Costa, vulgo "Rolinha"
Vistos, etc…

No dia cinco de outubro do ano ainda fluente,
em Carmo da Cachoeira
terra de boa gente,
ocorreu um fato inédito
que me deixou descontente.

O jovem Alceu da Costa,
conhecido por "Rolinha",
aproveitando a madrugada,
resolveu sair da linha,
subtraindo de outrem
duas saborosas galinhas.

Apanhando um saco plástico
que ali mesmo encontrou,
o agente muito esperto
escondeu o que furtou,
deixando o local do crime
da maneira como entrou.

O senhor Gabriel Osório,
homem de muito tato,
notando que havia sido
a vítima do grave ato,
procurou a autoridade
para relatar-lhe o fato.

Ante a notícia do crime,
a polícia diligente
tomou as dores de Osório
e formou seu contingente,
um cabo e dois soldados
e quem sabe até um tenente.

Assim é que o aparato
da Polícia Militar,
atendendo a ordem expressa
do delegado titular,
não pensou em outra coisa
senão em capturar.

E depois de algum trabalho
o larápio foi encontrado
num bar foi capturado.
Não esboçou reação,
sendo conduzido então
à frente do delegado.

Perguntado pelo furto
que havia cometido,
respondeu Alceu da Costa,
bastante extrovertido:
"Desde quando furto é crime
neste Brasil de bandidos?"

Ante tão forte argumento
calou-se o delegado,
mas por dever do seu cargo
o flagrante foi lavrado,
recolhendo à cadeia
aquele pobre coitado.

E hoje passado um mês
de ocorrida a prisão,
chega-me às mãos o inquérito
que me parte o coração.
Solto ou deixo preso
esse mísero ladrão?

Soltá-lo é decisão
que a nossa lei refuta,
pois todos sabem que a lei
é pra pobre, preto e puta…
Por isso peço a Deus
que norteie minha conduta.

É muito justa a lição
do pai destas Alterosas.
Não deve ficar na prisão
quem furtou duas penosas,
se lá também não estão presas
pessoas bem mais charmosas.

Desta forma é que concedo
a esse homem da simplória,
com base no CPP,
liberdade provisória,
para que volte para casa
e passe a viver na glória.

Se virar homem honesto
e sair dessa sua trilha,
permaneça em Cachoeira
ao lado de sua família,
devendo, se ao contrário,
mudar-se para Brasília!!!

P. R. I. e expeça-se o respectivo alvará de soltura.
Ronaldo Tovani –Juiz de Direito

Olhem a sabedoria do magistrado! E nada mais há a dizer!
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ZOOM – Abraços para Edersoni Souza, Maria Natividade Varela, Teresa Pedra, Eloer Magalhães, Divany Oliveira, Cláudio Lobato e Tânia Oliveira Terra, nesta terça. Z Outro dia, vi pela TV a um encontro entre Caetano Veloso e MV Bill, que já esteve em Ipatinga. O rapper está colocando sons de violino e saxofone em suas criações e o resultado é surpreendente. Z Abraço especial para a mestra Maria Flor de Maio, da PUC- Betim, cujo nome, deixei de citar, por engano, na última coluna. Z Sabem o que o que vai dar (ou já deu) a apuraçao da Dilma do COLINA com a secretária Lina? N-A-DA! Z Aconteceu em Salvador um mega Encontro de Contadores de Histórias, com gente do mundo todo. Não , não fui, já voltei ao serviço e além disso, o meu prezado marido vai se divorciar de mim se eu for a dois eventos no mesmo mês. Z Na crônica à Rainha Elizabeth, deixei de colocar o pedido para que ela mande comprar óculos para os agentes da Scotland Yard, afim de que enxerguem melhor e não atirem em imigrantes, como Jean Charlles, "pensando que era um terrorista"! Pois sim!Z Muito saúde e alegria para Marli e Paulo Nascimento.Z Um dia lindo e róseo, com estrelinhas douradas e chuvisco colorido, música de Caetano, poemas de Ana Cristina César, e um angu à baiana com tudo que a gente tem direito, inclusive pimenta malagueta e senso de humor pra acompanhar as politiquices do Brasil, são os meus votos.Z Au Revoir