sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O GRITO

Antônio Cícero


Estou acorrentado a este penhasco
logo eu que roubei o fogo dos céus.
Há muito tempo sei
que este penhasco
não existe, como tampouco há um deus
a me punir, mas sigo acorrentado.
Aguardam-me amplos caminhos no mar
e urbes formigantes a sonhar
cruzamentos febris e inopinados.
Você diz “claro” e recomenda um amigo
que parcela pacotes de excursões.
Abutres devoram-me as decisões
e uma ponta do fígado mas digo
E daí? Dia desses com um só grito
eu estraçalho todos os grilhões.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

DISCUTINDO O PAPEL DA POESIA

(Pablo Neruda)
A POESIA AINDA É UMA ARMA POLÍTICA?





Nos 35 anos da morte de Pablo Neruda, poetas reconhecem o declínio actual da literatura de intervenção
SÉRGIO ALMEIDA
O que resta hoje da poesia de contornos políticos, de que Pablo Neruda foi um dos maiores cultores? Três poetas ouvidos pelo JN (Manuel Alegre, Humberto Rocha e António Pedro Ribeiro) realçam a sua importância mas advertem para os riscos.
"Arma carregada de futuro", conforme definição do espanhol Gabriel Celaya, a poesia sempre reforçou a sua importância nas grandes crises morais da Humanidade, altura em que a voz dos poetas adquiria uma ressonância mais forte e clara. Os tempos, todavia, não correm de feição para estes "legisladores sem lei do universo", de que falava Novalis, confrontados com uma sociedade- espectáculo cujos valores parecem estar nos antípodas morais dos seus.
A guetização crescente da poesia (circunscrita a tiragens que raras vezes ultrapassam as poucas centenas de exemplares) e a transferência da discussão para outros espaços, mais imediatos mas também mais voláteis, são alguns dos motivos que tornam improvável, hoje, o aparecimento de um poeta que desempenhe o papel de guardião moral do seu tempo, como aconteceu com Pablo Neruda, afirmam os autores ouvidos pelo JN.
Mesmo discordando do conceito - "toda a poesia, em última instância, é ideológica, porque não há neutralidade na poesia", diz -, Manuel Alegre admite que nos escritos das novas gerações de poetas os sinais de intervenção pública estão muito mais diluídos do que acontecia ainda há três décadas.
No entanto, recusa-se a ver no facto uma certidão de óbito antecipada da poesia que se coloca ao serviço de valores. "São ciclos. As circunstâncias também são diferentes, mas a nossa poesia é rica em autores com um elevado sentido cívico e político nos seus textos, como Sá de Miranda, Almeida Garrett, Miguel Torga ou Sophia de Mello Breyner", explica o autor de "Praça da canção", para quem "são precisamente os escritos de Neruda centrados na discussão ideológica aqueles que o tempo se encarregou de arrumar, em contraste com os poemas de amor, por exemplo".
Estará, então, a poesia que se empenha nas causas do presente, como aconteceu com a do poeta chileno, condenada a um rápido esquecimento? A questão está longe de gerar consenso. António Pedro Ribeiro, cuja obra inclui escritos tão mordazes como "Declaração de amor ao primeiro-ministro" ou "Queimemos o dinheiro", não tem dúvidas de que a poesia de cariz militante "faz hoje mais sentido do que nunca", citando como exemplo "as recentes crises da alta finança", que apenas vêm mostrar, afinal, que "o capitalismo desumano continua a ser o mesmo dos tempos de Pablo Neruda".
Autor de "Pão e circo", romance agora lançado pela Afrontamento, o poeta Humberto Rocha vê no cunho estritamente pessoal que caracteriza boa parte da poesia actual - em que a narração estrita do quotidiano substitui o questionamento moral e político - um sintoma "do vazio ideológico reinante". "Há uma vacilação entre a ficção e a representação do Eu como núcleo fundamental da estória dentro da História, conduzindo a uma vacuidade por exaustão do narcisismo decorrente", afirma o autor de "Esqueletos leiloados", convicto de que a poesia actual não pode ter um sentido vago ou impreciso, pois "uma das funções de quem escreve não é apresentar modelos, mas unificar a dispersão do humano enquanto ser singular mergulhado no caos que advém da sua própria condição humana."
Se a função do poeta se mantém, ainda que em novos moldes, exige-se, contudo, um "upgrade" do discurso, defende António Pedro Ribeiro: "Não podemos ler apenas Marx e ouvir Zeca Afonso, como alguns poetas ainda fazem".
Da lição de vida de Neruda - " o último gigante da liberdade total e impossível da poesia do século XX", define Humberto Rocha -, há a reter, sobretudo, "o poeta que cantou o amor como ninguém, mas também o seu exemplo revolucionária e a vida intensamente solidária", acrescenta António Pedro Ribeiro.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

DELÍRIOS HISTÓRICOS



Nena de Castro

(Napoleão Bonaparte)


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Além do Português, sempre fui fascinada pelo estudo de História. Todos aqueles fatos, batalhas, vencedores, perdedores, povos subjugados, resistência, as loucuras dos reis e imperadores... Se você pensar bem, vai ver que, ainda hoje, tudo isso acontece, sob nova roupagem. Cazuza tinha razão: a vida é "um museu de grandes novidades." Dos guerreiros cuja saga nos chegou através dos anais históricos, Napoleão Bonaparte é um sujeito interessante. Nascido na Córsega, foi enviado a uma escola militar aos 10 anos. Estudioso e inteligente, alcançou o posto de tenente de Artilharia aos 19 anos e o de general (sim, senhor!) aos 27! Invadiu os países da Europa Central e Ocidental e foi coroado imperador, com pompa e circunstância. Aí, num nepotismo sem fim, nomeou seus irmãos, primos, sobrinhos, agregados e apaniguados, como reis dos países conquistados. Como se vê, a prática vem de longe e o Brasil está tentando acabar com tal praga, mas encontra feroz resistência da parte de alguns políticos que "quebram a dentadura, mas não largam a rapadura"... Voltando a Napoleão, o cara reinou por 15 anos, vencendo todas as batalhas, até que invadiu Moscou e tomou na cara, não pelo exército russo, mas pelo inverno rigoroso, terrível, que acabou minando o exército francês. Agora, o que os brasileiros não sabem, ou não se lembram, é que a gente deve muito ao impetuoso guerreiro. Ao disputar poderio com a Inglaterra, decretou o chamado Bloqueio Continental e ameaçou invadir Portugal, aliado dos ingleses. O que fez com que Dom João VI, ainda Príncipe Regente, viesse para o patropi, de navio, com ministros, servos, baús, a mala que era sua esposa Carlota Joaquina, cuia, papagaio, periquito, piolhos europeus e quejandos... Alcançamos então certo progresso, com a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves (que parece nome de escola de samba, mas foi um troço sério), seguindo-se a abertura dos portos (para permitir que a Inglaterra levasse o que quisesse, sem problemas), a fundação da Imprensa, do Banco do Brasil e de outras repartições necessárias ao bom funcionamento de um reino.
Dom João, na falta de telefones e grampos da Abin, valia-se de espiões para vigiar a espevitada Carlota Joaquina, que não podia ver um representante do sexo masculino sem levá-lo para o leito real. Dizem as boas línguas que ela até mandou dessa para pior uns desabusados que não mais queriam "brincar" com ela. Por aí se entende de onde veio o insaciável apetite sexual de Dão Pedro I, que era considerado um sátiro, não podendo ver um rabo de saia e, sem preconceito de raça, traçava todas... Ele teria até composto a famosa marchinha "O teu cabelo não nega, mulata", mas se esqueceu de registrar a composição, o que foi feito muito tempo depois por Lamartine Babo, hi, hi, hi! (Credo, onde vai parar essa crônica? Eu queria falar era de Napoleão Bonaparte, e já estou falando de marcha carnavalesca, será que é a sina, de nesse país, tudo acabar em samba e pizza? Perdão, leitores e leitoras, o trem tá brabo hoje; exerçam a tolerância com a velhinha que tecla, e mal, essas pobres linhas!). Mas eu fico pensando que, caso o Imperador tivesse invadido o Brasil, ele não resistiria às nossas monumentais negras e mulatas. E a gente teria, com muita honra, um monte de sararás falando francês e ostentando nomes como Sebastiana Girimum Bonaparte e Napoleão Jesus da Silva! Que saberiam apreciar foie gras, escargot, caipirinha e feijoada! E cantariam a Marselhesa em ritmo de samba-enredo e desfilariam todos os anos na Escola de Samba Fraternité e Egalité, skindô, skindô! E certamente me mandariam para as cucuias, após ler a salada histórica que temperei hoje, um autêntico "samba da cronista doida"! Calma, leitores, não fiquem nervosos! Se o meu editor não me defenestrar, prometo a vocês que vou ao psiquiatra, e nunca mais como couve nascida perto de cogumelo brabo, na minha horta! E nada mais digo!
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