terça-feira, 22 de setembro de 2009

DE LEMBRANÇAS, LAMBANÇAS E COMILANÇAS

É uma graça quando, nas escolas que visito, falo para a meninada de hoje, como foi a minha criação. As crianças e adolescentes ficam muito espantados quando digo que cresci em povoados mineiros, mais longínquos do que o Reino Tão Tão Distante e que não havia geladeira, liquidificador, telefone, correios, televisão, jornais, revistas, computador... Uma vez um adolescente arregalou os olhos e me interrompeu, perguntando como eu me divertia. Aí então, comecei a falar das cantigas-de roda, do chicotinho queimado, do passa-anel, do boca-de forno, do pular corda e ouvir histórias e lendas que nos deixavam fascinados. Na verdade, os meus primeiros 10 anos de vida foram preenchidos com acontecimentos fantásticos, como viver em vilas de dupla jurisdição, no famoso “Contestado” entre Minas e Espírito Santo, ver muitas mortes por questões familiares e desavenças políticas, as intrigas entre os picapaus e corta-goelas, ouvir causos e histórias sem fim, ver pessoas que vinham de locais ainda mais distantes, trazendo um Estandarte e seus instrumentos musicais, cantando a Folia dos Reis... Eu me julgo muito afortunada por ter morado nos locais onde morei com minha família, em Mendes Pimentel e em vilazinhas abaixo de Mantena, chamadas Boa União e Tipiti, porque vi e vivi coisas que povoam os meus sonhos e lembranças até hoje, em episódios que volta e meia, divido com meus leitores. Hoje eu me lembrei da festa que era quando precisávamos de carne. Papai costumava dizer “alegria de pobre é no dia em que mata porco”. Razão lhe assistia, pois desde o momento em que eram consumidas as últimas porções de torresmo e as latas de banha estavam vazias, era hora de olhar o capado que iria para o sacrifício e preparar o cenário. Escolhida a vítima, urgia lavar latas, amolar as facas, rachar a lenha, arear os baldes e bacias de cozinha e esperar a madrugada. Então, um corajoso ia matar o porco, a machadadas ou a punhaladas, e salto essa parte, pois eu nunca fui capaz de matar nem galinha, imagine o que eu sentia ao pensar no “assassinato”. Mas como dizia mamãe, “consciência de égua em ruma de milho, não existe”, e morto o bichinho, a farra começava. Sapecava-se a pele do porco, para eliminar os pelos, usava-se água bem quente para lavar, raspando o que ficasse com a faca amoladíssima, até a pele ficar bem limpa. Depois, uma faca amolada cortava a queixada, e puxava a língua, até chegar à barrigada. O sangue era recolhido para fazer choriço, e a seguir lavava-se o animal e se separavam as metades. A barrigada retirada era levada ao córrego, separava-se as tripas com cuidado, para não estragar o redengue, separava-se a cagaiteira e a limpeza começava. Lavava-se as tripas muito bem, elas eram esfregadas com limão e fubá, viradas pelo avesso com o “pau de virar tripa” e só voltavam quando estavam limpíssimas. Eram penduradas e preparadas, as finas, para a lingüiça, as grossas para a murcela ou murcia feita com os miúdos ou “frussuras” ou o choriço , feito com sangue.
A esta altura, o miolo era amassado , passado no ovo batido, com muito tempero e frito, após o que cada trabalhador ganhava um pouquinho, pois era exclusividade de meu pai. As orelhas e pés eram raspados e aferventados para serem cozidos no feijão, ou seriam cozidos e transformados em deliciosa geléia, que era colocada em folhas de bananeira. Se você nunca comeu geléia de pé de porco, feita pelas mãos milagrosas de D.Inês, só posso lamentar sua desdita! O trabalho central era separar as carnes nobres, cortá-las para a fritura, além das mantas de carne que recebiam tempero à base de muito alho, quitoco, pimenta e eram colocadas na fumaça, dependuradas acima do fogão de lenha, para maturar. E a lembrança do quiabo com carne de fumaça, feijão e angu me persegue até hoje, hum... Os cortadores começavam a cortar o toicinho em pedaços miúdos, que eram fritos nas tachas e panelas grandes, e logo as latas estavam cheias de gordura da melhor qualidade. As costelas eram fritas e reservadas, a carne “mucissa” cortada em pedaços que eram fritos e guardados na banha, as peles eram fritas e tinham o mesmo destino. O bucho era limpo em processo similar ao das tripas e recheado, e depois frito e servido com arroz. Fazia-se uma mini-forquillha com galho novo de laranjeira, que se adaptava à tripa que eram enchidas com carne moída ou cortada miudinho; para tirar o ar, furos eram feitos com espinhos de laranja, e toma um mundo de lingüiças também dependurada na fumaça. A gordura menos nobre era destinada ao fabrico de sabão, com mamoninha. Bom, era o dia todo trabalhando, mamãe comandava tudo, os meus irmãos e primos ajudavam no corte, as meninas ajudavam na fritura, todos nos divertíamos muito, a lambança que fazíamos comendo pele mal-passada na chapa do fogão e torresmo quente, (que mamãe fingia não ver, alertando para o inevitável piriri) era mesmo uma festa, o cheiro de carne frita nos enchia a alma de alegria por antecipação de gostosuras e nós nem sabíamos que nossa história, cheia de delícias, era “mais bonita que as histórias de Robinson Crusoé”. E nada mais digo, a não ser um agradecimento ao Criador por ter me proporcionado tantas experiências e ter me dado uma mãe com mãos que faziam milagres!
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EQUIPAMENTOS DE LINGUAGEM

( MAX MOREIRA, poeta de Cel. Fabriciano)

Abóbora d’água.
Carne de sol.
Feijão de corda.
Farinha de munho.
Manteiiga de garrafa.
Café de pedra.
Sal.
Panela de barro.
Facão Guarani.
Fumo goiano.
Canivete mundial.
Três quartos de pinga.
Carabina de ar.

Com a carga encilhada,
esporeio o cavalo de pau
E desapareço
nas colinas de veludo.
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ZOOM – Um abraço especial para professores e alunos da E.E. Salvelino Fernandes, de Santana do Paraíso. Estivemos lá na sexta-feira, trabalhando com Contaçao de Histórias. Foi uma festa só. Agradeço ás crianças e adolescentes pelo carinho e cumprimento a pedagoga Dirce de Morais, pela garra. Z Um abraço do tamanho do mundo a todos os meus amigos que me visitavam na Biblioteca onde trabalhei por 6 anos. Estou aposentada e agora me acharão em casa, ou contando histórias pelas escolas de Ipatinga e de outros municípios. Z Abraços também para o diretor da Biblioteca, Fernando Mendes da Silva e a todos os colegas de trabalho Z Agradecimentos ao vereador Jair Morais de Oliveira, de Paraíso, que veio me buscar para que eu pudesse contar histórias para as crianças da Escola Salvelino Fernandes. Z E Lula dizendo que é portador de deficiência intelectual. Deu pra perceber?.ÓOOOOOOOOOH! Z As eleições de Ipatinga vem aí, em ritmo acelerado. Vamos lá, pessoal, caprichem na escolha!Z Na programação do 4º SALÃO DO LIVRO, de 28 de setembro a 5 de outubro, oficinas interessantíssimas, lançamento de livros, palestras e a presença de Ziraldo, Bartolomeu Dias Queiróz, Affonso Romanno de Sant’Anna, e muita coisa boa mais. Não perca, tudo acontecerá no Usicultura, no Shopping. Z Um dia com gosto de cravo e canela, com pernil assado, arroz branco, couve refogadinha, feijão preto com muito alho, e doce de figo de sobremesa. Poemas de Max Moreira, músicas de Djavan e fé para rebater as rebordosas, são os meus votos. Z Au Revoir