sexta-feira, 21 de novembro de 2008

POESIA SEMPRE

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO foi um poeta português, amigo de Fernando Pessoa. Foi a Fernando que ele dirigiu sua última carta, antes do suícídio. Observe a beleza triste do poema onde o poeta parece preso à fatalidade. Ele"quase" alcança seu desejo, mas este está sempre além...

QUASE
Mário de Sá-Carneiro


Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

MANUEL DE BARROS, MEU POETA

Seis ou treze coisas que aprendi sozinho


Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos têm lírios.

Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo agüenta mais formiga.Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um poder mais lúbrico de antros.Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.

Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;Se aparecem besouros nas folhagens;Se as lagartixas se fixam nos espelhos;Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;E o escuro se umedeça em nosso corpo.

Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a lesma deixa risquinhos líquidos...A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as palavras Neste coito com letras!Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-seNa avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesmaescorre. . .Ela fode a pedra. Ela precisa desse deserto para viver.

Que a palavra parede não seja símbolo de obstáculos à liberdade nem de desejos reprimidos nem de proibições na infância,etc. (essas coisas que acham os reveladores de arcanos mentais)Não. Parede que me seduz é de tijolo, adobe preposto ao abdomen de uma casa.Eu tenho um gosto rasteiro de ir por reentrâncias baixar em rachaduras de paredes por frinchas, por gretas - com lascívia de hera. Sobre o tijolo ser um lábio cego.Tal um verme que iluminasse.

Seu França não presta pra nada -Só pra tocar violão.De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é. Não presta pra nada.Mesmo que dizer:- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.De ser o nada desenvolvido.E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.

Lugar em que há decadência.Em que as casas começam a morrer e são habitadas por morcegos.Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas a dentro.Em que os capins lhes subam pernas acima, seres adentro.Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.Onde os homens terão a força da indigência.E as ruínas darão frutos
(de "O guardador de águas")
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1 comentários:
Nena de Castro - MACUNADRU disse...
Meu Manuel, nosso Manuel, "poeta é um ente que lambe as palavras" e depois alucina a gente de tanta beleza!Seus versos "me aleluiam" e me fazem pular festeira que nem jia no brejo em tarde de verão.Nena de Castro - MACUNADRU
6 de Outubro de 2008 12:07

E KUNTA KINTE FEZ SUA DANÇA TRIBAL


Nena de Castro
11/11/2008 -

Ao som dos tambores ancestrais, Kunta Kinte dança. Sorriso aberto, gritos de guerra e alegria, Kunta dança. Dança como dançam os homens da sua tribo, quando celebram as caçadas, os casamentos, os rituais de iniciação, as festas religiosas... O corpo do guerreiro Kunta Kinte ginga, sobe, desce, balança, enquanto empunha a lança e o escudo.
O jovem Kunta havia vencido o "kafo", o último grau de instrução pelo qual passavam todos os meninos de seu povo... Aprendera a tomar conta das crianças menores, que ficavam dentro de um cercado no centro da aldeia, junto com as avós; aprendera os segredos de pastorear as cabras e outros animais, sem deixá-los fugir; fora circuncidado; e por fim, seu pai lhe revelara os segredos da vida. Aprendera a caçar e, sobretudo, a ter orgulho de sua tribo, localizada na Gâmbia (África Ocidental), e a respeitar os anciãos, que davam a última palavra nos problemas de todos. O guerreiro que dança, sequer imagina que essa será sua última celebração como homem livre, e que no dia seguinte será capturado como um animal e atirado em um navio negreiro em direção à costa norte-americana. Que, ao lado de seus irmãos de raça, viraria caça, animal capturado, acorrentado, atirado em porões infectos. A viagem era um pesadelo sem fim, com os estupros, a fome, a chibata, as correntes... No desembarque, a venda, a separação dos entes queridos, o início do trabalho escravo nas fazendas de algodão. O jovem guerreiro, humilhado, judiado, tenta fugir: uma, duas, várias vezes, até que lhe cortam a machado a metade de um dos pés. A dor, o sangue, a ferida, e o arrastar-se para o trabalho, sem poder fugir de seu destino atroz. Forçado a aquietar-se, tratou de sobreviver sob o jugo branco. Sua companheira lhe deu filhos; vieram os netos, bisnetos e trinetos, um dos quais, jornalista e historiador, de nome Alex Hayley, levantou a sua história, publicando-a no livro "Negras Raízes". Seus descendentes cresceram em um país de brancos, onde tudo se destinava a estes; a abolição da escravatura deu origem a uma guerra civil, que quase seccionou a nação. Os negros eram considerados entes sem alma, embora a jovem nação americana se declarasse cristã. No entanto, a discriminação continuou. O norte-americano destinava aos negros o desprezo, o ódio racial, a separação de classes; até as privadas primitivas de beira de estrada, aquelas de fossa, nos rincões mais distantes, ostentavam o tenebroso cartaz: "white men only" - só para brancos -, como se as fezes dos homens brancos fossem mais nobres que as dos homens de pele escura. A luta foi muito grande. Milhares de negros enforcados ou queimados pela Ku Klux Klan e ignorados pela sociedade americana, escravocrata e "cristã". Transcorridos tantos anos, nesse início de novembro de 2008, Kunta Kinte dança novamente. Com ele dançam todos os negros, vivos e mortos, em alegria ancestral; soam tambores na noite dos tempos e comemoram juntos: Stokely Carmichael, Charlles Eddie Moore, Malcom X, a costureira Rosa Parks, que um dia se recusou a ceder seu assento a um branco no Alabama, e foi presa, Angela Davis, Martin Luther King, o reverendo Jesse Jackson, os artistas negros que nunca puderam se hospedar em hotel de brancos, e todos os escravos que morreram pela mão dos brancos nessa nação que se diz paradoxalmente, cristã. Kunta Kinte faz, feliz, a sua dança tribal. Um descendente seu, de cabelo pixaim e pele escura como a sua, foi eleito presidente dos Estados Unidos...




POESIA SEMPRE
FALA
(Orides Fontela)
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade).


ZOOM
►BOM DIA meu querido amigo Oswaldo Machado de Oliveira Junior, o Dinho, que lê esta coluna pela net, toda terça-feira, lá no Canadá, onde reside com a família. Beijos pra todos, e o carinho dessa escriba.
►Não sei se vocês leram o comentário que o chefe da Ku Klux Klan, o pastor Thomas Robb, fez sobre o pai de Barack Obama. Se não leram, não perderam nada, eita que mediocridade! E o cara se diz cristão, hein!
►Gente, que orgulho dos professores de Ipatinga: sem deixar de lutar por seus direitos, trabalham com garra e tenacidade. A cada dia, novos e interessantes projetos chegam ao conhecimento da Comunidade.
►Um alô especial para Idagmar Habib, uma das grandes damas do Lions Clube na região. Depois de viajar por um monte de locais lindos do Brasil, reassume seu trabalho na Câmara Municipal o jovem advogado Tiago de Castro.
►Hoje, o professor Sávio de Tarso vai fazer palestra para estudantes na sede da Biblioteca Zumbi dos Palmares. Boa pedida!
►Ai, chega de mortes, desastres, tragédias... Vamos relaxar, ler a Bíblia, ler poesia e, sobretudo, clamar pela misericórdia de Deus.
►Gemina Linhares, que bom foi te rever outro dia. Foi rápido, mas o abraço foi caloroso. Valeu.
►Abraços para as mestras Marlene Dornelas, Ane Ribeiro Penha Salazar e Maria Imaculada.
►Uma semana com gosto de macarronada com frango caipira, feita com o molho que só a mãe da gente sabe fazer, compota de caju, suco de tamarindo, versos de Orides Fontela e som de Martinho da Vila. Esperança, alegria , saúde e paaz, são os votos desta escriba.
►Críticas, sugestões e eventuais elogios, pelo e-mail: nenadecastro@yahoo.com.br.