terça-feira, 7 de abril de 2009

GERTRUD ESTÁ DE LUTO...


Gertrud, minha sabiá, canta do jardim me chamando. Pelo seu canto percebo que está impaciente e zangada. Chego até à janela.- Olá, Gertrud! Como vão as coisas?- Até que enfim! Não tenho o dia inteiro!- Nem eu, Gertrrud. Estou escrevendo minha crônica. Aliás, você podia me explicar o que fazia sexta-feira, perto da Prefeitura? Não disfarce, eu a vi lá; você fingiu que não não era com você, mas eu vi, amiga!Gertrud dá uns pulinhos no galho da escumilha, se ajeita em um pé, procura uma posição melhor... Está inquieta e realmente zangada:- Olha aqui, posso voar e ir para onde eu quiser, sou um pássaro! Não sou limitada como os seres humanos, nem tenho excesso de peso como certas pessoas com quem convivo!- Sem ofensas, Gertrud, o meu peso não é da sua conta. Mas você ainda não me respondeu: o que fazia por lá?- Bom - diz a avezinha, mudando de galho -, eu fui lá saber das novidades. Afinal, quem vai ser o prefeito de Ipatinga? Estou receosa de uma reedição do drama tragicômico de Timóteo. E nesse caso, a cidade pára, e o povo sofre!- Gertrud, não vou discutir isso com você, é cedo pra gente se arriscar em prognósticos. Vamos aguardar, digo em tom conciliador.Ela nem me ouve e dispara: - E aquele absurdo da condenação do casal Nunes, de Timóteo, que quer educar seus filhos em casa e está levando o maior ferro nos Tribunais? Meu Deus: alguém, por favor, tire a “venda da Justiça” no tocante ao caso dos irmãos Jônatas e Davi Nunes que os pais querem educar em casa! Logo nesse país, com tantas crianças e adolescentes nas ruas, com o péssimo nível de ensino que temos, que nos deixa nos últimos lugares entre os países no quesito qualidade de educação, parece brincadeira!- Gertrud, você hoje está impossível! Veja se me deixa em paz, estou tentando escrever sobre um poema de Álvares de Azevedo, dá um tempo, amiga!- Muy amiga, nem quer me ouvir hoje! Você parece traça de livro, sempre rodeada por essa papelada!- Ué, Gertrud, pensei que gostasse de livros, de poesia, de ler... Vive me citando trechos de lindos poemas, de romances... - Gosto sim, mas hoje não quero saber de nada!- Mas o que foi, criatura, por que você está soltando fogo pelas ventas?- É por causa do meu parente, o Pixarro, lá em Itapira, em S. Paulo! Coitado, que morte inglória! Além de viver no cativeiro, foi roubado, e colocado na cueca do ladrão! Morreu sufocado, por falta de ar e pelo calor daquela “coisa horrorosa”. Pobrezinho! Se ainda tivesse sido apanhado por um gavião, mas não, foi enfiado lá junto das “partes” do desalmado! Acabou indo desta para melhor, de uma forma tão absurda tão... kafkiana! – disse, enxugando as lágrimas!- Gertrud, eu... - Fiquei sem saber o que dizer. A sabiá alçou voo e se foi. Ainda pude ouvir sua voz:- Também, num país em que o presidente vai tentar explicar a crise econômica, com o estado de um doente e fala “sifu”, numa declaração, o que se pode esperar? E alçou vôo e foi embora... Pobre Gertrud, pobre trinca-ferro, ai de nós...

POESIA SEMPRE

COGITO
(Torquato Neto)
eu sou como eu sou
pronomepessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

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