quinta-feira, 21 de maio de 2009

A HORTA






(Nena de Castro)

06/01/2009 -

O recém-aposentado Jaruzley Barroso da Silva, apelidado de Jaru, despediu-se dos colegas da empreiteira e começou a pensar no que fazer. Não sendo homem de ficar parado, decidiu: ia finalmente limpar parte do terreno de sua casa, cheia de mato e tralhas, e fazer uma linda horta. Seus netos iam chegar daí a algum tempo, e ele pretendia ter verdura fresca e de boa qualidade para eles. Uma parte dos dois enormes lotes herdados do pai tinha ficado desocupada. Seu pai, o velho seo Domingos, gostava de animais.Tinha criado porcos, galinhas, e até abrigado um cavalo, nos velhos tempos em que Ipatinga era só uma vila, todos se conheciam e nem cerca era necessário ter. Com o passar do tempo, o bairro se modificou, novas moradias foram construídas, vieram pessoas de longe... Aí foi necessário fazer uma cerca, pois volta e meia sumia um frango, uma galinha virava sopa, um porquinho não voltava da rua... Seo Domingos foi para o céu, Jaru herdou a casa e ali viveu, com mulher e filhos, até a aposentadoria. E agora ia dar jeito naquela parte do terreno que vivia abandonada, separada da casa por uma cerquinha tosca.Tinha primeiro que limpar o local. Levantou-se cedo, bem disposto, pegou facão, foice e enxada, e começou a trabalhar: cortaria o mato, juntaria as pedras, jogaria as tralhas acumuladas no lixo, queimaria o que fosse possível... Ah, ia ser a horta mais bonita e cheia de verduras da região. Poderia talvez até fornecer para as mercearias da cidade. Foice na mão, chapéu para se proteger do sol, iniciou a limpeza. Foi então que o problema começou.O primeiro a chegar foi Tião Ranheta, que indagou o que pretendia, porque estava limpando, se ia construir... Ajudar mesmo, não ajudou, mas deu palpites intermináveis sobre o que deveria ser plantado, e como. E avisou que viria em breve buscar vagens frescas, as “bagecas” que adorava comer refogadas. Quando finalmente Tião saiu, veio Dona Mariquinha, vestida de preto como sempre, com sua inseparável sombrinha, e falou que até que enfim Jaru tinha tomado vergonha na cara, aquele pedaço de terreno cheio de mato era um perigo, podia ter escorpião, podia esconder ladrão, podia ter mosquito da dengue...E ao saber da horta, pediu que ele não se esquecesse de plantar quiabos, adubando bem, pois toda semana ela viria colher. Seo Ladislau pediu pra plantar capiçoba. Zé Tainha solicitou um canteiro de almeirão. Dona Pequetita pediu um canteiro de ervas curativas. Lilica queria chicória. Donana Furinbundana avisou que dali a alguns meses ia casar a filha Verocinda com Zeca Timbó e precisava de muito cheiro verde; Nélrio Bastos, metido como sempre, queria escarola; José Lenine da Silva avisou ao companheiro que deveria plantar frutas que atendessem à coletividade, Chico Sarmento sugeriu uma parreira, era seu sonho desde criança e sua mulher Dandinha, usaria as folhas para fazer charuto de arroz; Rita Lina pediu um pé de maracujá, Iaiá Gomes avisou pra não colocar pesticida nos tomates, pois ela só comia coisas orgânicas; Zelão da Pinga mandou plantar boldo, Tuca Zimbão pediu pé de arruda e comigo-ninguém-pode, Giena Calamares exigiu repolho roxo, cenoura mirim e pepino grosso; Zoca Antero pediu certos afrodisíacos...O fato é que, pelo meio-dia, Jaru, suado e cansado, já estava com o respectivo cheio. Ninguém se oferecera para tirar um graveto, mas todos já estavam praticamente comendo a sua futura horta. E dando mais e mais palpites. Após o almoço, retomou o serviço. E começou a avisar a quem passava que só iria plantar pimenta, pensando que o pessoal o deixaria em paz. Errou feio. Parecia que ninguém tinha o que fazer. As sugestões começaram com seo Titino: pimenta, só podia ser malagueta. Jaru teve vontade de mandar o velho para a-pata-que-o-pôs, mas se conteve. Cerrou os dentes e, no decorrer da tarde, enquanto capinava seu quintal, ouviu palpites e pedidos de que plantasse pimenta dedo-de-moça, barba de bode, do reino, síria, rosa, calabresa, cumari, caiena...Mas a coisa desandou mesmo foi com a visita do ‘capo’ Zicão da Baixada, que chegou devagar, a camisa aberta no peito, exibindo um cordão grosso de ouro, olhou para um lado e outro, e começou a propor sociedade a Jaru num certo tipo de plantas que deveriam ficar no meio das verduras, em canteiros especiais. Ele forneceria as mudas, custearia o muro bem alto, colocaria cães bravos no local, deixaria um homem para afastar os curiosos... Era lucro certo e o dono do terreno teria uma boa porcentagem. Para finalizar a história, a vizinhança não entendeu nada quando, no dia seguinte, encontrou Jaru cimentando o pedaço de terra. E nosso herói, quando ouve alguém falar de horta, disfarça e muda de assunto, falando da má fase do Ipatinga FC. Que há de passar, se Deus quiser.

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