segunda-feira, 7 de julho de 2008

Causos de um mês malafamado

Dizem que abril é o mês da mentira. Dizem. O pobre mês ficou assim malafamado por causa do dia primeiro, que alguém convencionou ser o dia da ausência da verdade. Ignorando que a brincadeira é alusiva só à data específica, alguns políticos brasileiros mentem todos os dias, todos os meses e mais mentiriam se mais dias e meses tivessem para tal. E tão besta sempre foi considerado o início do mês citado, que, em 1964, como o 1º de abril sucede naturalmente o 31 de março, alguns desavisados acharam que era brincadeira a tal revolução, alguma treta, malhação de Judas, pegadinha e outros que tais, até que os Urutus começaram a rodar, soldados armados começaram a prender pessoas, a jiripoca piou e esse foi o Dia da Mentira mais sem-graça e trágico da história do Brasil. Eu militava no movimento estudantil da minha terra natal e fui depor duas vezes, uma por causa de uns panfletos e outro por causa de um derrame de carteiras estudantis falsas, fatos com os quais nada tínhamos a ver, mas não fui presa, Deus seja louvado! Se tivesse ido pra prisão, hoje estaria aí, com cartão corporativo na mão, podia ser tia do PAC ou ter parente com cueca mágica cheia de dólares ou coisa parecida. Ainda bem que sou uma simples professora, vivo modestamente do meu trabalho, e Pasárgada pra mim, ainda é a terra mágica, o reino imaginário de Manuel Bandeira, para onde se pode ir e ser feliz! O fato é que algumas pessoas são tão mentirosas, mas tão mentirosas, que ninguém lhes dá crédito quando porventura falam a verdade. Dizem que há muitos anos atrás, ali, nos arredores de São Cândido, tinha um tal Zé Mucinho, que era um mentiroso de marca maior. Desde novo, todo dia mentia para os irmãos, provocava problemas entre os agregados da fazenda da família e, apesar de ter levado umas correiadas do pai e da mãe, não tinha jeito. Quanto mais velho, piores eram as suas invencionices! De certa feita, chegou a galope numa fazenda vizinha e anunciou que a igrejinha da vila tinha pegado fogo! Saiu todo mundo correndo e, ao chegar ao vilarejo, encontraram a igreja sendo arrumada para os festejos da padroeira. O Zé ria a valer, e não se importava com os xingos que recebia. Uma vez, Zé chegou afobado a cavalo, na fazenda do Coronel Aroeira, anunciando que suas melhores vacas, que estavam aos cuidados de um peão, tinham caído num atoleiro. O fazendeiro juntou a peãozada, correu para o local a umas duas léguas da fazenda e, chegando lá, encontrou as vaquinhas pastando o capim verde e macio, mugindo felizes... O Coronel Aroeira ameaçou dar uma surra de cipó-imbé no Zé Mucinho, ou um tiro nos pés, para que parasse de andar para amolar os outros com suas brincadeiras mentirosas. O rapaz foi enviado para a casa de uns tios em Caratinga, onde aprontou muitas. Passado certo tempo, voltou a São Cândido e recomeçou com suas mentiras, só que ninguém lhe dava mais trela. E a vida continuava... Um dia, na boquinha da noite, o pessoal da vila ouviu um galope; lá vinha Zé Mucinho esporeando o cavalo, agitando o chapéu, esbaforido. Freou o animal, encarou o pessoal, sodou a todos e começou a chorar. – “Gente, minha mãe morreu! Ai meu Deus, foi assim de repente, depois da janta, ela deu um gemido e já caiu morta, lá em casa tá o maior desespero! Eu tô indo na casa do Joaquim Coveiro, encomendar o caixão, e vou avisar os parentes que moram no sítio do outro lado!” E chorando muito, esporeou a montaria e saiu a galope! O pessoal ficou consternado. Como é que dona Maricota podia estar morta, assim tão de repente? Estava tão boa na reza do domingo! Alguém chegou a pensar na natureza mentirosa do Zé, mas não falou nada, mãe é uma coisa sagrada, quem é que brincaria com isso? O jeito era pegar os rosários e ir para o sítio velar a pobre defunta, mulher caridosa e cheia de amigos e afilhados. Organizaram-se, uns foram de carroça, outros a cavalo, outros a pé. Caminhavam juntos, a noite estava escura, ainda bem que conheciam o caminho. Afinal, chegaram à casa da fazenda, que tinha um velho portão de madeira com um caminho que dava acesso à varanda, o qual era margeado por pés de rosa branca e folhagens diversas. Tudo escuro, fechado, o portão com a tramela trancado... Os cachorros começaram a rosnar e latir. - Ô de casa, ô cumpadre Totonho! - chamou o farmacêutico - somos nós, da vila! Abre a porta! Após um tempo, ouviram o ruído da porta velha, rangendo ao ser aberta. Passos pela varanda, pelo caminho da entrada... De repente, a taramela do portão foi movida e apareceu, vestindo uma longa camisola branca, cabelo solto e com uma vela na mão, a própria dona Maricota! O pessoal gritou de pavor! A cachorrada do sítio latiu mais alto! Correu gente pra todo lado! Sinhana Faria, das quitandas, coitada, caiu no chiqueiro! Seu Manezinho e dona Izildinha, rolaram barranco abaixo! Zoca Cardoso pisou num cachorro e levou uma mordida! Juca Ciriaco se atracou com Jona Filipo, ambos querendo entrar no mesmo local, a beata Ermita Cação, escorregou, caiu de boca no chão, e a saia subiu até a cabeça mostrando as pernas secas e as outras partes; Bastiana Girimum rasgou a saia e as pernas no espinheiro; Titão Farofa subiu no pé de laranja, ignorando os espinhos, João Cirineu caiu do cavalo e foi arrastado. O resto da família de dona Maricota saiu, seu Totonho trouxe a carabina, todos gritavam, os visitantes de pavor e os sitiantes de susto! Depois de muita confusão e de dona Maricota garantir que estava viva e não era assombração, o pessoal entrou para se lavar, cuidar dos ferimentos, tirar os espinhos... E desta vez, Zé Mucinho tomou a merecida surra de cipó-imbé. E foi expulso de casa. Dizem.

ZOOM- Gente, sodou e malafamado é linguagem do nosso povo interiorano. O correto é saudou e mal-afamado, ok? - Uma semana feliz, com esperanças róseas, orações para se ter sossego em vez de violência, com sopa de banana verde com costelinha e pudim de banana do Festival de Pedra Branca, músicas de Chico Buarque na voz de Valéria Altoé e Cida D’Angelis, amor e paaz, são os meus votos. - Críticas, sugestões e eventuais elogios, pelo e-mail: nenadecastro@yahoo.com.br Au Revoir.

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