quinta-feira, 24 de julho de 2008

A DECISÃO (uma crônica interativa)

Aprontou-se para sair. O terno branco de linho, impecável, lencinho no bolso, o chapéu na cabeça, elegância a toda prova. Foi até a janela e olhou o céu: as primeiras estrelas começavam a aparecer, naquele tapete negro infinito, piscando, piscando... Voltou para o interior da casa, abriu o armário e retirou uma caixa recoberta com laca chinesa. Dela, retirou um envelope, já aberto. Dele, retirou uma folha de papel azul, onde a escrita miúda se destacava. Releu pela milésima vez, a mensagem. Cheirou o papel, que lhe parecia ter o perfume dela. O coração disparou! Ia encontrar-se com ela, afinal. E saber a resposta que tanto esperava. Conhecera-a em casa de amigos comuns, aquela moça morena, miúda, olhos negros, chamara-lhe logo a atenção. Estava vestida de vermelho, usava sapatos pretos, e um enorme colar de pérolas que lhe caía até perto da cintura. Seus olhos, vivíssimos, percorriam o local até que se encontraram com os dele. Ergueu a taça de vinho e a saudou. Ela fez o mesmo, olhando-o de forma profunda. Depois desviou os olhos e voltou a se concentrar no homem que a acompanhava, vez por outra, sorrindo para alguém, enquanto a festa prosseguia. Foi embora cedo, lá pelas 11 horas e, ao sair, despediu-se de todos com acenos discretos. Ele tratou de se informar com o anfitrião, sobre a deusa morena. Chamava-se Hermínia, tinha estudado na Europa, voltara de lá, há pouco tempo. Estudara Artes em Paris, especializando-se em pintura. Começou a vigiar seu ateliê, até o dia em que a viu sair. Fingindo que passava ao acaso, cumprimentou-a e convidou-a para uma taça de vinho. Ela recusou, preferindo caminhar. Sua voz era rouca, sorria pouco, fumava muito e olhava tudo com o interesse que uma artista tem pelas formas e cores. Conseguiu vê-la outras vezes, discutiram poesia, foram ao teatro, jantaram juntos, a sós e com amigos... Ele completamente apaixonado, ela distante e sóbria, deixando claro que ele era apenas um amigo. Com o tempo a paixão aumentou. Ela, não dizia sim, nem não, apenas tratava-o bem. Um dia, ele não suportou. Pediu-lhe uma decisão, qualquer uma, sim ou não. Ela disse que, decisão, era exatamente o que buscava, tinha que fazer uma opção, uma escolha, e que ainda não fora capaz de fazê-lo. Pediu-lhe que a deixasse sozinha, por um tempo. Ele protestara, afinal ela era o ar que respirava, a música das tardes primaveris, o anseio que lhe corria pelo corpo, o desejo que o mantinha vivo... A carta chegara pela manhã. Dizia apenas, que devia comparecer ao ateliê, afinal receberia a resposta ao seu pedido. Devia ir à noite, na hora marcada por ela. Assim que abrisse a porta saberia da decisão. Saiu de casa, ajeitando o chapéu, segurando as flores. Ao chegar, percebeu que as luzes do ateliê estavam apagadas. Abriu a porta, e vislumbrou, com um susto, a tela, no meio da sala. As velas davam um ar soturno ao local. Fixou os olhos na tela, percebendo no auto-retrato, o olhar profundo, com enorme indagação e, ao fundo, um caixão! Recuou, espantado! E preparando-se para o que viria, segurou com força as flores. Que lhe pesavam nas mãos... (Deixo aos meus leitores a conclusão do que aconteceu! Ou não. Aguardem o que virá. Ou escolham o final).

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